Entrevista - André Vitor Brandão estreia hoje a videodança 'Para Não Dançar em Segredo'

by - agosto 29, 2020

 Filme participa da Mostra Todos os Gêneros 2020 do Itaú Cultural

| André Vitor Brandão performa em filme que discute masculinidade | Foto: Tássio Tavares |

Questionando a construção de masculinidade hegemônica no Sertão, o artista André Vitor Brandão estreia hoje o filme 'Para Não Dançar em Segredo'. Na obra ele parte de suas memórias para performar uma celebração da masculinidade na Dança. A partir das 20h de hoje (29), o vídeo estará disponível no site do Itaú Cultural, podendo ser assistido gratuitamente aqui.

A exibição será na 'Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade' do Itaú Cultural, que chega à sua sétima edição em 2020, tendo como temática a noção de masculinidade. A programação que começou no dia 24, segue até o dia 30, com espetáculos, cenas teatrais, cenas encomendadas e o lançamento de um livro digital.

Em entrevista ao Portal Culturama, o artista falou como foi o processo criativo da obra e as relações estabelecidas entre a dança e o vídeo.

Confira a entrevista:

| Para Não Dançar em Segredo estreia na Mostra Todos os Gêneros 2020 | Foto: Tássio Tavares |


Como surgiu a ideia da videodança e como ela foi produzida?

Há alguns anos que venho pesquisando as interfaces entre Dança, Artes Visuais e Cinema. Meu primeiro trabalho solo chamado “Onde Ele Anda É Outro Céu” já foi construído a partir dessa perspectiva, embora não exista projeções ou coisas do tipo na estrutura do trabalho, eu criei todo o seu conceito de movimento e de imagem a partir de uma lógica cinematográfica e pictórica, ou seja, as cores, os posicionamentos no palco, a luz, tudo foi pensado para gerar uma imagem previamente elaborada. Com a pandemia e a virtualização dos trabalhos em Dança, eu passei a pesquisar a videodança como linguagem possível e criei dois trabalhos, o “Fabulações Cotidianas” e o “Corpo em Suspenção”, ambos pensando na relação corpo e imagem, casa e dança. 

Em junho, eu recebi o convite do Itaú Cultural para produzir uma cena para a mostra “Todos os Gêneros”, que esse ano tem como tema “masculinidades” e, como essa questão tem sido recorrente na minha produção, achei o momento oportuno para juntar as minhas duas frentes de trabalho. Assim, promovi uma aproximação entre as problemáticas das construções de masculinidades na Dança e as questões que envolvem a produção de cenas de dança orientadas para o vídeo. Para dar materialidade as ideias que eu vinha gestando, eu convidei alguns artistas da região para trabalharem comigo, sendo eles: Fernando Pereira que colaborou no roteiro, na direção de fotografia e na montagem e edição; Robério Brasileiro que fez a direção de fotografia e as imagens aéreas; Ana Paula Maich que fez a direção de Arte; Jailson Lima que me deu uma assessoria criativa; Gean Ramos e Pedro Lucas que fizeram a trilha; Dj Werson que criou uma das músicas do filme; Alan Barbosa fez a produção; Alzyr Saadehr fez a maquiagem; Ninfa Tavares fez o figurino e Tássio Tavares fez Still e Making Off. Foram dois meses de produção, gravação e edição para chegarmos a um resultado final. 

Quais referências você traz para essa criação?

'Para Não Dançar em Segredo' é, na verdade, uma confluência de desejos, ideias e referências que já se movimentavam em mim há bastante tempo. Entretanto, existem algumas referências fundamentais que norteiam todo o trabalho são elas: as criações em vídeo do grupo DV8 Physical Theatre, os filmes “Pina” e “Blush” do cineasta Win Wenders, as pinturas “O terapeuta”, “Espelho Falso” e  a “Reprodução” de René Magritte, o  texto “Os nomes do Pai: a edipianização dos sujeitos e a produção histórica das masculinidades” do Durval Muniz de Albuquerque Júnior que investiga a construção da masculinidade no Nordeste, a pesquisa “O Homem que dança: a presença do corpo masculino na dança contemporânea” e o espetáculo “Cavalo”, ambos, produções da Qualquer Um dos 2 Companhia de Dança.

Como você tem visto essa relação entre a Dança e o Vídeo, principalmente agora no período de isolamento social?

A relação entre Dança e Vídeo não é nova, basta lembramos das experiências de Merce Cunningham  e Trisha Brown na década de 70 e tantos outros artistas que incorporaram em suas criações o vídeo e que experimentam essa relação até hoje. Entretanto, o que antes era uma escolha estética, com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) se tornou essencial para a sobrevivência da linguagem. Penso estarmos diante de um momento crucial para as artes da cena, que é a oportunidade de repensar seus modos de criação, distribuição e relacionamento com o público. O vídeo nos dá a possibilidade de circular pelas redes, de estar em vários lugares ao mesmo tempo e de coreografar a nossa imagem de modo mais radical/experimental. Todavia, perdemos as dimensões dos sentidos, que são essenciais para o trabalho em Dança. O cheiro, o calor e as vibrações do corpo não chegam no público com a intensidade da presença do bailarino em estado de Dança. Assim, precisamos entender que a videodança é uma linguagem específica com metodologias e lógicas próprias.

Você traz uma discussão sobre o corpo masculino e suas diversas questões sociais. Como se vê nesse lugar como corpo dançante-masculino-sertanejo?

O filme revisita as minhas memórias enquanto homem que dança, expõe de maneira poética os conflitos que bailarinos do sexo masculino passam para se exercerem na linguagem, dado que, existe uma construção histórica que diz que Dança é atividade feminina. No sertão, temos um outro agravante que é a historicidade da masculinidade, repleta de estereótipos e opressões. Basta lembrarmos da figura do “cabra macho”. Assim, o filme é uma celebração à masculinidade na Dança, é um manifesto para que homens que dançam se libertem dos estereótipos e das opressões de gênero. Me vejo como um agente provocador e meu trabalho como espaço de fissura nesses estereótipos e construções de masculinidade hegemônicas, sobretudo, aqui no Sertão.


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