Foi preciso dar um intervalo nas programações culturais e ainda não se sabe quando será possível começar o segundo ato
Março e abril são tradicionalmente meses de muita movimentação no
setor cultural, por conta das comemorações dos dias do Teatro e da Dança,
respectivamente. Vários grupos e instituições aproveitam o período para
celebrar essas linguagens com temporadas, estreias de novos trabalhos e
festivais. Mas, esse ano a cena não vai ser a mesma, ao menos não
presencialmente. A ameaça da do coronavírus e também da Influenza H1N1 fez com
que fossem necessárias medidas de distanciamento social em todo o mundo, o que
implica na recomendação de cancelamento de eventos que causem aglomeração de
pessoas. A Cultura é, sem dúvidas, um dos setores mais atingidos pelo
isolamento social.
Espetáculo 'Processo Medusa' estava em temporada no CEU das Águas | Foto: Fernando Pereira |
Em Petrolina, a situação não diverge do restante do país. A Cia.
Biruta e o Núcleo Biruta de Teatro estavam em plena temporada do espetáculo
'Processo Medusa' quando a situação começou. Das 12 apresentações que estavam
previstas pelo projeto de manutenção aprovado no Funcultura, apenas metade foi
possível de realizar à tempo. No dia 17 de março, eles publicaram nas redes
sociais a suspensão das atividades do projeto que estavam realizando no CEU das
Águas.
A atriz e coordenadora do projeto Camila Rodrigues conta que o
projeto já estava todo programado. “Seria encerrado no final de março e
seguiríamos para a produção do projeto de circulação do mesmo espetáculo e um
outro de oficinas de palhaçaria, também aprovados no Funcultura”, comenta sobre
os planos para esse ano. A temporada vinha recebendo estudantes de escolas públicas
e realizando bate-papos com convidados. “Tivemos um público bem diverso, sempre
interagindo com a proposta do espetáculo e do bate-papo, a exemplo de algumas
mulheres surdas que deram ótimas contribuições nas discussões”, conta Camila
Confraria 27 em pesquisa | Foto: Rafael Sisant |
A Confraria 27 há meses vem realizando um projeto de pesquisa
também incentivado através do Funcultura. Os resultados seriam apresentados em
maio, mas também vão ter que esperar passar a crise. "Todas as ações da
produção estavam dentro do cronograma, mas devido a essa situação que afeta a
saúde mundial, tivemos que adiar a data das atividades de encerramento do
projeto. Com toda cidade fechada fica impossível de resolver algumas demandas.
Mas as demandas que podem ser realizadas em casa, no sistema home office, estamos
mantendo", explica Rafael Sisant, bailarino pesquisador.
Além do cancelamento de temporadas, há grupos que estavam com
espetáculos prestes para estrear, mas que vão demorar a escutar o terceiro
sinal. O 'Músicas Para Amar Demais' seria apresentado ainda em março pela Pipa
Produções e a Qualquer Um dos 2 Cia. de Dança estava com pautas marcadas para o
'Cavalo' em maio. A Trup Errante vinha se debruçando sob o texto 'Esse Glauber'
de Aninha Franco desde dezembro e pretendia estreá-lo em abril. "Passamos
os meses de janeiro, fevereiro e o início de março nos encontrando para ensaiar
e produzir as demandas do espetáculo. A Trup vem ao longo de cinco anos
consecutivos realizando a campanha de popularização do teatro #EUVOUAOTEATRO e
iríamos iniciar nossa programação de 2020 com a estreia desse espetáculo",
conta Thom Galiano, diretor.
Atores da Trup Errante em processo | Foto: Thom Galiano |
Como ficam os artistas sem um palco para chamar de
seu?
“O espetáculo não pode parar!” sentencia Camila. As políticas
públicas para a Cultura no país já vinham há bastante tempo sendo
desarticuladas, os artistas foram atacados diretamente nos últimos anos. Na
região de Petrolina, onde não há políticas municipais consistentes para a
Cultura, a situação fica ainda mais instável. “Para o setor cultural, esse
momento de isolamento social está sendo e será muito difícil, pois o nosso
ofício é na troca, no encontro, no olho no olho e, infelizmente, ainda não tem
nada voltado para a classe de trabalhadores do setor artístico e cultural, que
ampare socialmente esses profissionais agora impedidos de trabalhar… não
sabemos se a ajuda do governo chegará até nós”, diz a atriz.
Ainda não se sabe quando essa situação poderá ser regularizada, o
que causa ainda mais instabilidade para os artistas. “Ainda que as atividades
voltassem até o fim de abril, seu fluxo normal só seria restabelecido a médio
prazo. Logo essa cadeia de atividades de aglomeração de pessoas vai ser motivo
de atenção e resistência por um tempo ainda. Isso gera um impacto devastador no
cenário cultural da região, bem como do mundo”, comenta preocupado
Sisant.
Thom diz que acredita que depois de tudo isso "as atividades
que precisem de aglomeração de pessoas terão que ser reinventadas e sofrerão
adaptações e restrições até a invenção da vacina". "Claro que é
fundamental parar as atividades, mas se tivéssemos um governo sensível ao fato que
a maioria dos artistas é autônomo, poderíamos contar finalmente com políticas
voltadas para o setor criativo. Mesmo sabendo que a Cultura, apesar de ser o
que está ocupando muitos nesse momento de quarentena com atividades online que
são fruto do trabalho de artistas, o governo e alguns setores da sociedade mais
conservadores não demonstram nenhuma possibilidade de sustentação para os
artistas", comenta o diretor.
Cena de 'Processo Medusa' da Cia. Biruta | Foto: Fernando Pereira |
"Precisamos entender que um artista é um trabalhador da
cultura e como tal necessita de assistência, de dignidade, do seu direito
garantido"
Camila Rodrigues
Reportagem por Adriano Alves
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