Foi preciso dar um intervalo nas programações culturais e ainda não se sabe quando será possível começar o segundo ato

by - abril 18, 2020

Março e abril são tradicionalmente meses de muita movimentação no setor cultural, por conta das comemorações dos dias do Teatro e da Dança, respectivamente. Vários grupos e instituições aproveitam o período para celebrar essas linguagens com temporadas, estreias de novos trabalhos e festivais. Mas, esse ano a cena não vai ser a mesma, ao menos não presencialmente. A ameaça da do coronavírus e também da Influenza H1N1 fez com que fossem necessárias medidas de distanciamento social em todo o mundo, o que implica na recomendação de cancelamento de eventos que causem aglomeração de pessoas. A Cultura é, sem dúvidas, um dos setores mais atingidos pelo isolamento social.
Espetáculo 'Processo Medusa' estava em temporada no CEU das Águas | Foto: Fernando Pereira

Em Petrolina, a situação não diverge do restante do país. A Cia. Biruta e o Núcleo Biruta de Teatro estavam em plena temporada do espetáculo 'Processo Medusa' quando a situação começou. Das 12 apresentações que estavam previstas pelo projeto de manutenção aprovado no Funcultura, apenas metade foi possível de realizar à tempo. No dia 17 de março, eles publicaram nas redes sociais a suspensão das atividades do projeto que estavam realizando no CEU das Águas.

A atriz e coordenadora do projeto Camila Rodrigues conta que o projeto já estava todo programado. “Seria encerrado no final de março e seguiríamos para a produção do projeto de circulação do mesmo espetáculo e um outro de oficinas de palhaçaria, também aprovados no Funcultura”, comenta sobre os planos para esse ano. A temporada vinha recebendo estudantes de escolas públicas e realizando bate-papos com convidados. “Tivemos um público bem diverso, sempre interagindo com a proposta do espetáculo e do bate-papo, a exemplo de algumas mulheres surdas que deram ótimas contribuições nas discussões”, conta Camila


Confraria 27 em pesquisa | Foto: Rafael Sisant
A Confraria 27 há meses vem realizando um projeto de pesquisa também incentivado através do Funcultura. Os resultados seriam apresentados em maio, mas também vão ter que esperar passar a crise. "Todas as ações da produção estavam dentro do cronograma, mas devido a essa situação que afeta a saúde mundial, tivemos que adiar a data das atividades de encerramento do projeto. Com toda cidade fechada fica impossível de resolver algumas demandas. Mas as demandas que podem ser realizadas em casa, no sistema home office, estamos mantendo", explica Rafael Sisant, bailarino pesquisador.

Além do cancelamento de temporadas, há grupos que estavam com espetáculos prestes para estrear, mas que vão demorar a escutar o terceiro sinal. O 'Músicas Para Amar Demais' seria apresentado ainda em março pela Pipa Produções e a Qualquer Um dos 2 Cia. de Dança estava com pautas marcadas para o 'Cavalo' em maio. A Trup Errante vinha se debruçando sob o texto 'Esse Glauber' de Aninha Franco desde dezembro e pretendia estreá-lo em abril. "Passamos os meses de janeiro, fevereiro e o início de março nos encontrando para ensaiar e produzir as demandas do espetáculo. A Trup vem ao longo de cinco anos consecutivos realizando a campanha de popularização do teatro #EUVOUAOTEATRO e iríamos iniciar nossa programação de 2020 com a estreia desse espetáculo", conta Thom Galiano, diretor.

Atores da Trup Errante em processo | Foto: Thom Galiano
Como ficam os artistas sem um palco para chamar de seu?


“O espetáculo não pode parar!” sentencia Camila. As políticas públicas para a Cultura no país já vinham há bastante tempo sendo desarticuladas, os artistas foram atacados diretamente nos últimos anos. Na região de Petrolina, onde não há políticas municipais consistentes para a Cultura, a situação fica ainda mais instável. “Para o setor cultural, esse momento de isolamento social está sendo e será muito difícil, pois o nosso ofício é na troca, no encontro, no olho no olho e, infelizmente, ainda não tem nada voltado para a classe de trabalhadores do setor artístico e cultural, que ampare socialmente esses profissionais agora impedidos de trabalhar… não sabemos se a ajuda do governo chegará até nós”, diz a atriz. 

Ainda não se sabe quando essa situação poderá ser regularizada, o que causa ainda mais instabilidade para os artistas. “Ainda que as atividades voltassem até o fim de abril, seu fluxo normal só seria restabelecido a médio prazo. Logo essa cadeia de atividades de aglomeração de pessoas vai ser motivo de atenção e resistência por um tempo ainda. Isso gera um impacto devastador no cenário cultural da região, bem como do mundo”, comenta preocupado Sisant. 

Thom diz que acredita que depois de tudo isso "as atividades que precisem de aglomeração de pessoas terão que ser reinventadas e sofrerão adaptações e restrições até a invenção da vacina". "Claro que é fundamental parar as atividades, mas se tivéssemos um governo sensível ao fato que a maioria dos artistas é autônomo, poderíamos contar finalmente com políticas voltadas para o setor criativo. Mesmo sabendo que a Cultura, apesar de ser o que está ocupando muitos nesse momento de quarentena com atividades online que são fruto do trabalho de artistas, o governo e alguns setores da sociedade mais conservadores não demonstram nenhuma possibilidade de sustentação para os artistas", comenta o diretor.
Cena de 'Processo Medusa' da Cia. Biruta | Foto: Fernando Pereira
"Precisamos entender que um artista é um trabalhador da cultura e como tal necessita de assistência, de dignidade, do seu direito garantido"

Camila Rodrigues



Reportagem por Adriano Alves

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