Um mergulho dançante nas poéticas ribeirinhas
Breve relato de experiência ao assistir o espetáculo 'Janelas Para Navegar Mundos' do Coletivo Tripé
| Foto: André Amorim | |
por Ioná Pereira da Silva
Atriz, Dançarina e Coreografa (DRT pelo SATED/BA 2007), Historiadora, Mestra em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, Coordenadora Geral do Instituto de Estudo e Práticas da Matriz Africana (ICMA), iona.pereira@gmail.com
A experiência se deu no dia 17 de setembro de 2025, a partir das 19 horas, no Centro de Cultura João Gilberto, situado no município de Juazeiro/BA, ao assistir a apresentação feita pelo Coletivo Tripé do espetáculo “Janelas Para Navegar Mundos”, que faz parte das atividades de circulação de espetáculos de dança que estão sendo realizados no estado da Bahia através do Edital Quarta que Dança – Circuitos Artísticos 2025, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, unidade vinculada à Secretaria de Cultura do Estado (Secult-BA).
“A experiência de dar corpo a algo abstrato ou subjetivo remete ao processo do orador que dá voz (vida) ao discurso.” (MARTINS, 2003 p. 159)
A pessoa que dança empresta seu corpo para trazer à cena: comunicação, poéticas, reflexões e muito mais. O espetáculo “Janelas Para Navegar Mundos” traz um tom ribeirinho extremamente poético em cada uma das suas coreografias e na sequência de suas cenas trouxe sempre uma nova surpresa. Sua estética delicada demonstra que existiu muito cuidado na produção e isso se refletiu o tempo todo durante a apresentação.
Falar das relações de saberes implica antes falar de pessoas, de lugares, de formas de pensamento, de ser e de estar no mundo [...] Nas comunidades ribeirinhas, é possível afirmar que seus habitantes estão constantemente implicados tanto nas relações de saber quanto nas relações de aprender. Isso porque os saberes construídos por lá, bem como a forma de aprender a sobrevivência e as regras sociais envolve, necessariamente, a história da comunidade [...] O ribeirinho é um ser em aprendizagem. Um povo que aprende a fazer, fazendo. (LIMA, ANDRADE e DOS REIS, 2010 p. 67, 68, 70)
| Foto: André Amorim | |
O uso e referência a elementos primordiais à vida ribeirinha como: “ água e terra” levam a uma reflexão muito grande sobre a força e resistência deste povo, seja no banho conduzido por um regador trazendo a lembrança dos momentos de escassez e ao mesmo tempo a importância da água na chuva tão desejada, que lava, que limpa e que dá vida, ou mesmo nas cores de alguns figurinos em tom terra, lembrando que ela é a base para tudo que se tem nas comunidades ribeirinhas, símbolo da vida, mas também da morte. Já a cena dos barquinhos azuis trazidos dentro de uma gaiola e que vão sendo libertados pelos dançarinos, remeteu a ideia de que seriam os sonhos ribeirinhos expressos no espetáculo e que com ele ganham o mundo.
Chamou a atenção também os corpos diversos dialogando intensamente, o tempo todo através da dança, que se tornam realmente janelas e levam para vários mundos, caminhos diferentes conduzidos através do rio que são apresentados de uma forma muito própria pelo Coletivo tripé, num espetáculo onde se pode ver corpos que dançam e que também declama, fazendo nascer uma “poética” que une gesto, música e palavra, se complementando mutuamente.
Um toque especial é a proposta de proximidade do público com a cena do espetáculo, onde as pessoas ficam sentadas em cadeiras dispostas de um lado e do outro do linóleo, trazendo uma certa intimidade para cada coreografia, possibilitando ver os detalhes e sentir-se parte dos momentos que a apresentação traz.
Este é um espetáculo fluido como o rio, com uma leveza muito grande, mas que não deixou de apresentar que também existem “dores”, ao trazer a cena: corpos/ cabeças que são diferentes, onde cada um tem suas dificuldades, desejos de inclusão, choro, e a imposição muitas vezes na vida de que se tem de: “engolir a dor” e morrer com ela. Porém, apesar disso, algumas coreografias mostram que existem momentos de afago, de cuidado e superação, seja através de um toque carinhoso e inesperado ou ao final no algodão doce partilhado.
| Foto: André Amorim | |
A proposta apresentada no Espetáculo Janelas Para Navegar Mundos conduz a um mergulho dançante nas Poéticas ribeirinhas e por isso na sua finalização deixa um desejo de: “Quero mais...”.
Uma sugestão para futuras apresentações é que ao término do espetáculo seja aberta uma roda de conversa com o público, proporcionando um momento de escuta e troca, que pode contribuir para o fortalecimento, pois possibilita a partilha das impressões, sentimentos, reflexões e novas compreensões do espetáculo para os artistas.
Vale a pena ressaltar por fim como é gratificante ver um espetáculo com artistas do interior circulando o estado e levando a “poética ribeirinha” para outros lugares, pois isso contribui de forma significativa para mostrar a capacidade, a qualidade e os valores que a arte do interior tem.
REFERÊNCIAS:
MARTINS, Marina. Dança, uma Poética do Corpo. Revista O que nos faz pensarv. 13 n. 16 (2003): Nº 16: novembro de 2003. Disponível em: https://oquenosfazpensar.com.br/oqnfp/article/view/173/172 Acesso em: 20 set. 2025.
RODRIGUES DE LIMA, Maria Aldecy; ANDRADE, Gusmão; DOS REIS, Erika. Os ribeirinhos e sua relação com os saberes Revista Educação em Questão, vol. 38, núm. 24, mayo-agosto, 2010, pp. 58-87 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal, Brasil. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5639/563959970004.pdf Acesso em: 18 set. 2025.
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