Entrevista - Emanuel Lucas fala sobre Contos Negros Marginais, seu primeiro livro

by - julho 16, 2020

O eBook com uma coletânea de contos pode ser adquirido online

| Emanuel Lucas traz suas "escrevivências" de homem negro |

Quais histórias carrega a pele de um homem negro? Emanuel Lucas, educador, lançou recentemente um eBook com uma coletânea de contos que refletem sobre a vida de um jovem negro que encontra na educação um lugar de resistência. 'Contos Negros Marginais' está disponível para compra online (neste site) e integra o universo de ações do Afropolita.

Os recursos resultantes das vendas serão aplicados parte para a manutenção do próprio autor, mais que justo, e também investido na produção cultural do grupo de rap RSO MC's, jovens negros que movimentam a cena Hip-Hop em Remanso-BA, cidade natal de Emanuel. Essa é mais uma produção independente da cena literária do Vale do São Francisco, onde os autores precisam criar estratégias diante das dificuldades do mercado editorial. Em uma breve entrevista, o autor fala sobre o processo de construção da obra e seu papel de educador.

- Só pela descrição, já dá para saber o quanto o livro também é pessoal, partindo da experiência de quem vivenciou tudo na pele. O que você traz de seu na escrita do livro?

- Acredito que a escrita de qualquer pessoa negra sinaliza para um retrato da realidade que se vive. É o que Conceição Evaristo chama de escrevivências. Trago em minha escrita o Emanuel Lucas, que com todas as dificuldades imputadas às pessoas negras e não-brancas, conseguiu acesso à educação, moradia, acolhimento familiar e acessos à universidade e dispositivos construtores da política estatal. Este livro é marcado pela trajetória que faço na educação básica nas diversas modalidades de ensino e de forma precarizada. Apresenta também as diversas expressões de um corpo negro atravessado pelo racismo estrutural que é permeado e disseminado na sociedade através do racismo institucional sob a ótica da representatividade sem representação. Traz também a presença da minha essência enquanto ser humano e um convite para meu Povo ao caminho da compreensão e emancipação da nossa subjetividade, que é nossa consciência. Bem como um convite à autonomia da nossa Comunidade pautada a partir de Nós, das nossas formas de desenvolvimento e Cultura.

- A produção é feita de forma independente. Como você tem conseguido produzir? Como foi possível lançar esse e-book?

- É importante destacar que a produção é feita de forma independente, pois seria incoerente da minha parte falar de algo que não pratico. E claro, como a brancura, o mercado editorial é branco, elitista e dominante. Eu não sou a única pessoa negra que escreve de forma independente. Tem várias aí que vivem da forma que dá e até escrevem suas próprias coisas manuais para vender e manter sua sobrevivência. Acontece que a grande dificuldade da população negra é a falta de acesso à tecnologia, recursos e estruturas para alavancar os processos de organização e autonomia, propositalmente para nos escantear e marginalizar. Há um tempo estava sem computador e celular, e enquanto isso eu havia estudado muito, lido bastante sobre diversas fontes, de Ancestrais Antigos aos Ancestrais mais recentes do nosso tempo. Esse corre é um convite, inclusive. Consegui desaguar tudo isso nesse período de quarentena somente depois de um processo de reforma íntima, que me permitiu organização financeira individual e coletiva para então possibilitar o desenvolvimento dessa e de outras ações. O lançamento desse e-book e das diversas ações que empreitamos cotidianamente são possíveis a partir de toda manifestação Ancestral e através de qualquer pessoa neste país que me permite aprender a ler, aprender a escrever e aprender a falar. É possível através da coragem emanada a partir da captação de recursos e financiamento coletivo arrecadado na rede Afropolita.

- Voce também atua como educador e o projeto está com parte da renda revertida para uma ação cultural na sua cidade natal. Quais as possibilidades que você tem encontrado para debater esses temas com jovens negros?

- As possibilidades de diálogo com a juventude negra faz parte do meu cotidiano por eu ser de quebrada e já ter morado em algumas outras quebradas em minhas andanças. E mesmo morando algumas poucas vezes nos centros de algumas cidades, a periferia nunca saiu de mim pois em todas as situações eu era/sou a periferia no centro. Enfim! Mas os diálogos são possíveis a partir do cuidado em "eaê irmão, tá tudo certo aí com tu e a família? A feita, a alimentação tá ok? Tá precisando de um salve?", "Ou quando Dona Terezinha chama a gente pra ir na casa dela onde funciona um bar para ajudar recarregar o freezer pois ela está com dor nas costas" ou “quando Seu Juão da esquina pede pra gente ler a bula do remédio de pressão e falar mal do Bolsonaro, do Lula, do FHC e do prefeito Zezin." É a política do cuidado e do afeto em vez da política do julgamento que só contribui pro genocídio e a necropolítica que extermina nossas crianças e jovens e destrói nossas famílias. As possibilidades do diálogo se dão a partir do giro de informações que a gente troca através do movimento Hip Hop que está parado por conta do isolamento social e das estratégias que estamos elaborando para a manutenção desses jovens que movimentam a cena do rap, mas precisam alimentar suas famílias em casa. Neste sentido, o Afropolita é parceiro da RSO MC's, um grupo de jovens negros que movimentam e alimentam a cidade há mais de sete anos com Cultura, Arte e Educação.



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