Entrevista - Rafael Sisant fala sobre as exposições da Confraria 27 que inauguram essa semana

by - dezembro 03, 2020

 Duas exposições ocupam o Coletivo Casa até janeiro

| Rafael Sisant com uma das obras | Foto: Adriano Alves |

Unindo pesquisas em Dança e Artes Visuais, a Confraria 27 montou duas exposições de desenhos em Petrolina-PE. 'Corpos em Risco' e 'Coreo Grafias' serão inauguradas nesta sexta-feira (04), no Coletivo Casa, localizado no bairro Areia Branca. O evento de abertura está marcado para às 18h, com entrada gratuita e limitada por conta dos protocolos de saúde. A visitação ficará aberta até o dia 04 de janeiro, contando com mediadores culturais no local para receber o público de segunda à sexta, das 14h às 20h.

Durante oito meses, o grupo se dedicou a estudos e encontros de pesquisa para investigar como o movimento do corpo dialogava com os desenhos. Conversamos com Rafael Sisant, um dos curadores, para dar mais detalhes sobre o processo criativo.

Confira a entrevista:


A exposição é fruto de uma pesquisa teórico-prática. Como ela se deu? Me fala como surgiu a proposta e quanto tempo durou a pesquisa...

Rafael Sisant: A proposta surge a partir de uma inquietação individual em investigar as possibilidades de conhecimentos que poderiam surgir a partir da interseção entre Dança e Artes visuais. Por fazer parte dos dois universos, sendo intérprete-criador e artista visual, essa possibilidade se rascunhou como terreno fértil para as investigações. Com o tempo a pesquisa foi introduzida nas aulas da Confraria 27 e com a aprovação do projeto pelo edital Funcultura Geral 2017/2018 conseguimos focar apenas nesse processo e aprofundar, em coletivo, os estudos antes individuais. A pesquisa teve duração de 8 meses, eram 40 horas semanais intensas de encontros e estudos em casa.

Como foi o processo criativo das obras? Como foi a montagem da exposição?

R.S.: Então, uma grande parte das obras foram sendo construídas durante os 8 meses de pesquisa. As experimentações realizadas nos laboratórios corporeográficos (termo criado para designar as investigações práticas) davam a chance de criamos nossas peças, noutra situação as obras eram produzidas em casa, após as aulas, os experimentos em sala de aula, com o grupo, provocava o processo criativo e serviam de estímulo para a criação individual. Para criar as corporeografias (termo criado na pesquisa para nomear os desenhos resultantes da intervenção da dança) nós fazíamos uma sequência de exercícios práticos com estímulos físicos, como por exemplo, a ação de vibrar o corpo inteiro enquanto desenhava. A montagem da exposição foi intensa e provocativa, a pandemia nos acertou em cheio na etapa do projeto em que iríamos começar a pensar na exposição. Tudo parou. Começamos a retomar aos poucos as atividades em Outubro. Após 8 meses sem atividade tudo muda, então a exposição foi repensada para o contexto atual, que inclusive está apresentado nas obras. Todas as medidas de segurança, como o uso de luvas para o público com deficiência visual poder tocar nas obras táteis e o álcool, a redução da lotação do espaço em 50%, entre outros é uma das prerrogativas exigidas por nós para fazer o evento acontecer. Mas conseguimos executar um trabalho incrível, estamos satisfeitos com o resultado, o público vai amar.

Como vocês têm trabalhado o diálogo entre a Dança e as Artes Visuais? 

R.S.: É importante ressaltar que pesquisa nos proporcionou descobertas importantes. Mas só foi possível pois a mesma foi subsidiada pelo incentivo do Funcultura. A atenção do poder público para as ações artísticas e de pesquisa potencializam o trabalho dos artistas e grupos. O trabalho com as duas linguagens parte do princípio que ambas estão conectadas historicamente, desde os desenhos primitivos das manifestações humanas nos cultos regados a dança, por exemplo, também presentes nas culturas grega, egípcia e romana, entre outras mostram que ambas têm uma ligação histórica. Com o tempo esse diálogo foi se modificando e na contemporaneidade buscamos cruzar as informações presentes nos processos criativos de cada uma em busca de material que alimenta o nosso processo criativo e traga frescor às criações. Ao pensar que enquanto dançamos, deixamos um pouco de nós no espaço antes vazio, criando desenhos nossos, fugazes e captáveis apenas pela criatividade, entendemos que é possível evocar esses desenhos “invisíveis” e registrá-los no papel. A partir desse pensamento fomos desenvolvendo trabalhos onde o corpo do intérprete-pesquisador, o papel e o objeto riscador (carvão, lápis, canetinhas e etc) se atravessam e criam um diálogo imagético, com identidade própria. São as corporeografia, as ranhuras corporeográficas e as leituras residuais, sendo a primeira fruto da intervenção dança no papel, a segunda composições gráficas em alto relevo e a terceira releituras dos espetáculos de dança que provocou e afetou os pesquisadores.     

No que vocês querem tocar o público com essas obras?

A ideia é apresentar para todos as descobertas feitas durante a pesquisa, trazendo ao conhecimento público as possibilidades na intersecção das duas linguagens e propondo uma reflexão sobre o que é o risco presentes nas obras. É o rastro de pigmento deixado pelo movimento no papel? É a passagem do tempo sobre nós? É a expressão da nossa identidade? 

Quais medidas de segurança à saúde foram adotadas para essa exposição e a sua vernissage?

R.S: Pensamos em estratégias para garantir a segurança do público, como o uso de luvas para o público vidente e com deficiência visual poder tocar nas obras táteis e o álcool, o uso de QR code para que as pessoas possam acessar as informações em áudio das obras, bem como a redução da lotação do espaço em 50% para que todos estejam transitem com segurança pelo evento.

Sobre as ações de acessibilidade, o que trazem nessa exposição para tornar a experiência do público inclusiva?

R.S.: Num contexto em que há a necessidade de distanciamento social e nos é orientado o cuidado no manuseio com as coisas, pensar em acessibilidade foi um desafio. Já é provocativo pensar o desenho possível de ser usufruído de outra maneira que não seja a visual, mas alguns métodos foram pensados, como as réplicas táteis, em alto relevo, de algumas obras (Que serão manuseadas pelo público apenas com o uso de uma luva que não impede a sensibilidade da mão), bem como um QR code que garante o acesso do público a um áudio com descrição e informações das obras (para evitar fones de ouvidos compartilhados), bem como uma intérprete de Libras presente na vernissage.


Essas foram as primeiras pesquisas financiadas da Confraria 27? Como vocês avaliam a reverberação de um financiamento na estrutura e projeção do grupo?

R.S. - Sim, os projetos corpos em riscos e coreografia na periferia foram os primeiros projetos de pesquisas subsidiados financeiramente. É indiscutível a importância da atenção e do apoio do poder público para as ações da classe artística. Mas não podemos deixar de salientar que essa importância precisa ser superlativada, no que diz respeito a pulverização, dos financiamentos dos projetos de grupos atuantes no interior do estado. Esses grupos são os menos apoiados e os que mais resistem às intempéries do tempo e da falta de políticas públicas de cultura. Pela primeira vez a confraria 27 pode gerar renda para os seus integrantes bem como para toda cadeia produtiva da região do vale do São Francisco. Poder ter verba para a manutenção do grupo modifica a lógica de mercado desse grupo, isso é fato. Mas pensamos também para além de nós, pois “nenhum grupo é um ilha”, poder garantir o primeiro trabalho artístico com pagamento mensal para jovens artistas e estudantes de arte da região mostrando para essas pessoas que é possível viver de Arte no interior de Pernambuco é de extrema importância para a manutenção da economia criativa de Petrolina. Quando um estudante ou iniciante nas Artes aprende que é possível construir um mercado de Arte na cidade, garantimos que outros além de nós vejam os editais de incentivo como caminho possível para a execução dos seus trabalhos, e com certeza isso fortalecerá o mercado de Arte, pois quanto mais pessoas buscam os incentivos, mais chances temos de nos aproximar de uma possível consolidação de um cenário onde os artistas de interior do estado consigam trabalhar e viver do seu ofício. 



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