Censura às artes: após falas preconceituosas de vereadores de Petrolina, Cia. Balançarte emite carta resposta

by - novembro 12, 2021

 Publicamos a carta na íntegra

| Foto: divulgação |

Vereadores (desavisados) de Petrolina emitiram opiniões (partidárias) sobre um projeto cultural da cidade que faz muito mais pelos estudantes das escolas públicas do que os próprios parlamentares. Tudo baseado nas falas preconceituosas de "defender os pensamentos cristãos".

CARTA RESPOSTA DA CIA BALANÇARTE SOBRE A SESSÃO DA CÂMARA:

Na Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Vereadores de Petrolina, em 09/11/2021, a Cia. Balançarte de Dança foi acusada, pela Associação de Moradores no Núcleo Irrigado N 9, um pai de aluno e um pastor evangélico, de que a ação cultural apresentada em 27/10/2021, na Escola Estadual MN9 do N9-PSNC, teria ferido valores da família cristã, em contrariedade à Lei Municipal que barra debate sobre gênero e sexualidade em Escolas da Rede Pública. As acusações foram respaldadas pela maioria dos parlamentares presentes, chegando a atividade a ser nomeada como “nojenta e imunda”. 

A Balançarte é uma companhia de Dança que atua, na cidade de Petrolina e região, há mais de 15 anos e que, ao longo de sua existência, defende o fazer artístico vinculado à educação, com práticas pautadas na escuta sensível, no protagonismo juvenil, no respeito às diversidades de gênero, etnia e crenças, por acreditar que a Dança tem, dentre seus fins, ser veículo de formação e propagação de sujeitos mais críticos e ativos socialmente. 

O projeto em questão, Circuito de Dança nas Áreas Irrigadas, aprovado pelo FUNCULTURA 2017/2018, foi levado à Escola Estadual MN9-PSNC durante o mês de Outubro de 2021, com a participação de 30 (trinta) alunos e alunas, consistiu em oficinas, mostra pedagógica e apresentações de grupos convidados. Na culminância, oportunizou-se que os alunos elaborassem cenas artísticas, a partir das questões suscitadas pelos/as participantes. Em uma das apresentações, protagonizada por um adolescente negro gay, uma cena denunciou a violência contra as populações LGBTQIA+. Violência que tem sido fomentada pela postura do atual Governo Federal. Esta apresentação motivou a ação repressora promovida na Câmara Municipal de Petrolina.

O Brasil é o país que mais mata a comunidade LGBTQIA+ no mundo. Relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia informa que, no ano de 2019, 329 LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia. Foram 297 homicídios e 32 suicídios, o que equivale a uma morte a cada 26 horas. Considerando a falta de política estatal na produção de informação, esses números tendem a serem ainda maiores em termos reais. O mesmo relatório aponta ainda que 40,62% das vítimas de suicídio estão entre 14 e 34 anos, ou seja, parte significativa dessas pessoas é jovem e em idade escolar. A recusa da família e comunidades religiosas em acolher suas identidades de gênero e sexuais é um dos motivos que mobilizam tal ato de violência e foi a discussão sobre esse assunto que pautou a ação artística. 

A temática trazida para o foco da apresentação também poderia ter sido contra as práticas de violência contra mulher e/ou populações negras, que também sofrem preconceito e violações, e que já estiveram em pauta em outros projetos da companhia, o que decorre de acreditarmos que é preciso aprender a conviver com as múltiplas possibilidades de ser no mundo. 

A Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 5º, como cláusula pétrea, a livre manifestação do pensamento, expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, (art. 5, incisos IV e IX), sendo vedada a censura. Bem como, assegura o direito à vida, saúde, educação e liberdade de gênero, sexualidade e credo. Assim, a atuação da companhia encontra respaldo e garantia na Constituição Federal.

Essa carta é direcionada à quem se coloca a favor da democracia e liberdade de expressão, à quem acredita na arte/educação consciente e responsável; à quem defende a liberdade de gênero e de credo e repudiam que a imunidade parlamentar possa ser utilizada como salvo-conduto ao preconceito e discurso de ódio. 

O nosso papel social de artistas e educadores/as vem sendo cumprido e esperamos apoio e coragem de todos que acreditam nos valores inerentes à vida, à liberdade e respeito à integridade dos corpos e diferenças. 

Att,
Cia. Balançarte de Dança.




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